I
Na ânsia pelo cárcere inconfesso, as treme-ternas mãos, recém-libertas, angustiavam a feminil tesoura. O corte impreciso sujeitando as velhas cartas. Agora filetes afetuosos de palavra desprendida. O fósforo na trempe. A borda azeda. O samba do vizinho às sete horas da manhã. A chama verde requentava o leite velho no caneco... de ontem. Ele meticulosamente selecionava o branco das torradas que conseguiu queimar, em descompasso com as horas do forno. "Dá pra comer". Café de menos uma manhã... Entre farelos e remelas, os lábios abertos da ferida. O que sucede ou se pratica habitualmente em sua vida se afoga num copo grande de café-com-leite, sempre garantido quando ele desperta em casa. Talvez ela jamais volte.
Sutura Coagida II - As menores coisas
Cuecas e camisetas. A cama dela. Consumindo rock's alternativos europeus que a estante dele oferecia... Almodóvar coloria o DVD, graças a ela. O pau de canela era visível no jarro de chá preto que ambos gostavam. Desembaçando o espelho da pia com o pulso, contemplou-se, à boa luz, o casal perfeito, de banho tomado. Ele viajaria no dia seguinte. Precisava desfazer a barba que ela tanto gostava. O creme de barbear na lâmina nova. Loção pós-barba pensando na passagem aérea sobre a mesa do computador. Ela sugeriu que ele a deixasse realizar a tarefa. Enrolados na mesma toalha, o espelho fitou-os uma última vez.
Sutura Coagida III - A faca Valentina
Cumprimentar amigavelmente o porteiro desconhecido. Entrar no mesmo elevador, a caixa-preta. Atravessar aquela porta outra vez. Dois mundos. O visível e o invisível. Valentina, amiga-do-ex. Alcunha ridícula. Fazer o almoço à quatro foi divertido. A faca, o pimentão, o vinho tinto. Clima temperado a eletro-tango. Cortou-se mais que o pimentão, não era vinho. Era sangue. Faca e eletro-tango não combinam. Na verdade, os dois só se harmonizavam nos gostos. Embora o pimentão fosse moreno e o vinho-tinto loirinho.
